sábado, 27 de agosto de 2022

Mas o texto era sobre profissão...

     Hoje é dia da Psicologia, mais especificamente o dia da regulamentação da profissão no Brasil.

    Desde o início da faculdade somos indagados sobre o que nos levou a escolha do curso. Uma das minhas primeiras respostas foi: "As pessoas sempre me procuram para conversar e eu escuto, sempre escutei, não sei dar conselho. Mas chegou um momento que escutar já não bastava" (ou algo do tipo). A real é que eu nunca tive uma super resposta sobre a razão da escolha do curso.

    Não sei a primeira vez que cogitei psicologia mas foi antes de ir para a primeira faculdade, tanto que fui aprovada em Psicologia e não vi a lista de espera. Quando passei por terapia falava em achar outros cursos, rodeava e não nomeava com certeza nenhum. Mesmo sendo PÉSSIMA conselheira as pessoas continuavam me procurando, ainda que eu não tivesse qualquer experiência na questão que elas estavam tentando resolver, mesmo não sendo tão boa em comunicação, sendo mais introvertida quando se tratava de falar sobre mim. E eu estava lá ouvindo... e as vezes devolvendo.

    Quando eu desisti da primeira faculdade precisei estar em terapia e acompanhamento psiquiátrico por um tempo, voltei pra minha cidade e afirmei que faculdade não era pra mim. Eu queria encontrar então o que era pra mim. E eu tentei fotografia, fiz cursos, ganhei uma câmera, tentei fotografar como profissão mas na bolsa carrego algumas tentativas falhas e deixei a fotografia como algo que me faz bem, que me permite criar livremente sem TER QUE entregar nada a ninguém.

    Eu sempre senti que DEVERIA, sim como um DEVER, ajudar algumas pessoas que estavam na minha vida. Eu não sabia como, mas buscava estar presente de alguma forma para que soubessem que eu estava ali se precisassem. Nem sempre consegui, muitas vezes tentei e encontrei barreiras, inclusive barreiras pessoais, limites, eu não tinha ferramentas e estratégias suficientes para agir, mas eu estava ali.

    Um grande amigo, que por vezes e vezes foi como um irmão, compartilhava momentos de dificuldade comigo, antes ou depois que aconteciam, eu escutava, não julgava mas não sabia como ajudá-lo além de pedir mais tempo e de fazer algo junto que fosse leve. Um dia ele me disse que precisava partir e que eu iria ficar bem e ajudar outras pessoas. Na hora eu ignorei isso, não importava e tentei oferecer ajuda, desesperada, sem saber como conduzir. Depois de um tempo da sua partida elaborei que apenas escutar já não era suficiente. Com sua partida experimentei muitos sentimentos que eu não sabia nomear, que não dava espaço para refletir sobre. Desde então muitos sentimentos tem vindo à tona, até os dias atuais, com situações diferentes. 

    Eu já tinha feito vestibular para a faculdade daqui, tinha passado para a primeira turma mas ainda morava em outra cidade então neguei. Depois de um tempo aqui resolvi fazer algo da vida e tentar o vestibular foi o primeiro passo. Eu passei. E todas as vezes que me vi perdida eu dava um jeito de estudar algo então por que não tentar estudar algo? O desafio na minha mente era entrar e, se entrasse, ultrapassar o terceiro período. Hoje estou no décimo período.

    Ao longo do curso refiz essa pergunta do motivo diversas vezes, me questionei sobre o que queria com essa trajetória. Hoje eu concordo que só escutar não era suficiente e não me bastaria, ainda bem que não me contentei. Hoje eu sei nomear alguns porquês, consigo entender alguns comportamentos. Isso ainda funciona para mim como uma balança, me falta experiência, maturidade, distância ou sabedoria para saber separar sintoma de escolha  Dentro de mim passo por fases que deixo de me escutar quando estou inundada de sentimentos ignorados vindo à tona, como agora que estou na maior parte do tempo disfuncional.

    Atualmente estou encerrando um ciclo, estou me deparando com muitas certezas caindo por terra, estou precisando ter paciência para analisar alguns valores, reprogramar meu repertório de estratégias e pensar sobre atitudes. Estou tendo que lidar com conceitos que sempre estiveram comigo e estavam distorcidos. Porém não tenho todo o tempo disponível para me dedicar a esse estudo aprofundado de mim mesma, não tenho tido forças para compartilhar esse processo com a maioria dos amigos. Preciso lidar com a finalização do curso, preciso pensar para fora de mim e sobre o outro, os outros os quais eu lido em meus estágios e que necessitam de mim por completo quando estou diante deles, é sobre eles. Quando acaba a sessão é sobre tudo, é sobre tentar por cada coisa na sua casinha.

    Diante desse cenário não estou conseguindo manter minhas relações, não consigo dar a atenção que gostaria a cada amizade, a alguns familiares, a escuta que antes então era uma dificuldade não está tendo seu momento, não por falta de vontade, mas por falta de energia, eu queria mas não consigo dar conta de tudo. Estou suspensa de mim e não consigo apenas ir seguindo. E digo isso porque verdadeiramente me importo com todos eles.

    Ao mesmo tempo tenho conseguido alimentar um relacionamento que antes jamais acreditaria que pudesse existir, que dirá se manter. E que está me fazendo ter vontade de imaginar situações, momentos e um futuro. Eu nunca sonhei a longo prazo antes. E com meu parceiro estou conseguindo partilhar grande parte de tudo isso que atravessa minha mente, buscando equilibrar a fala com a escuta. Mesmo com a distância física não sinto que temos uma distância, seguimos íntimos das partes boas como das partes que estamos tentando enfrentar. Quando lembro que tenho um namorado como ele há mais de dois anos é como uma surpresa boa no meu dia e sorrio. 

    Isso tudo me leva a uma grande fuga, são muitos cenários distintos para organizar, preciso me atualizar sobre as amizades, preciso me reinventar na relação familiar, preciso concentrar para escrever um trabalho de conclusão de curso, e eu fujo inclusive dos meus pensamentos, dos eletrônicos, das reflexões longas como essa tentativa de organização. Geralmente você me encontra arrumando a casa, as gavetas, limpando a mesa, a bolsa, assistindo coisas sobre organização, aguando as plantas ou saindo correndo pros estágios. É tudo que tenho feito. Além de prometer que vou ler o grupo das amigas, vou ligar para a outra amiga, vou ler os artigos que preciso, vou voltar a escrever o tcc, vou fazer os trabalhos atrasados, vou escrevendo os relatórios de estágio, até a hora da fuga. Eu sei que preciso enfrentar mas falta energia, energia que uma noite boa de sono não tá repondo, energia que cansaço físico não alivia nem recarrega.

    Mas o texto era sobre a profissão, estou tentando me apropriar do trajeto que trilhei para me tornar psicóloga. Porque eu quis fugir disso também. Evitar... eu tenho evitado mas na real esse texto inteiro passa em looping na minha cabeça todos os dias e como eu sei que escutar não basta eu resolvi escrever, tirar daqui de dentro, respirar sem uma âncora em cima do meu peito. Ao som de várias do Pink Floyd como: "Running over the same old ground/ What have we found?/ The same old fears".

    Passei o dia com tudo isso na mente. Eu cheguei onde eu queria, no esgotamento mental e na satisfação de tirar isso da minha cabeça, ao menos por agora. E foi exatamente por esse propósito que este blog foi criado, há 14 anos. Ainda bem. Estico minha coluna, solto minha mandíbula e volto quando for preciso.

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